Flora marinha da Ilha Grande: um tesouro desconhecido da população

Por Alexandre de Gusmão Pedrini,

Professor Associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

 

A flora marinha abrange quase que totalmente organismos que designamos popularmente de algas. As algas são seres clorofilados, muito simples, sendo desprovidos de condução de seiva no seu corpo e também sem raiz, caule, flor, fruto e semente, vivendo essencialmente dentro da água ou em ambientes úmidos. Existem cerca de 32 mil espécies no mundo e quase 4 mil no Brasil. As algas contribuem para a sobrevivência dos seres humanos, animais e vegetais de modo crucial, do qual, o planeta Terra não pode ceder uma só mínima parte. Tudo o que a natureza nos oferece espontaneamente chama-se de serviço ambiental. O serviço ambiental crucial que as algas prestam ao ambiente e aos seres humanos é o fornecimento de oxigênio. Elas o produzem em excesso pela fotossíntese, consumindo parte dele para sua respiração e o excedente, nós e todos os outros seres vivos o consumimos. O oxigênio ainda é fundamental para outras demandas planetárias. Além disso, as algas são a base da teia alimentar, pois os animais herbívoros delas se alimentam. Os carnívoros se alimentam dos animais herbívoros e essa cadeia de variados caminhos chega até o homem, formando uma teia trófica. Então temos o dever de proteger não só as algas quanto as águas onde elas ocorrem! No caso da Ilha Grande todas as suas águas costeiras, pois nelas é que estão os nutrientes e as condições necessárias para que as algas possam crescer e se reproduzir.

As algas podem ser classificadas como microscópicas se apenas percebidas visualmente com auxílio de uma lupa ou microscópio. Ocorrem principalmente no mar costeiro, lagos, rios, estuários e ambientes úmidos. Vivem, a maioria, ao sabor das correntes e pertencem ao fitoplancton.   Esse grupo de microalgas compõe-se essencialmente de algas douradas (diatomáceas), dino- flagelados e algas azuis. As que podem ser visualizadas sem lupa são chamadas de macroalgas e é delas que do- ravante vamos tratar. Elas são comumente conhecidas pela sua cor azul, verde, parda/marrom ou vermelha. A utilização das macroalgas é cotidiana na alimentação do Oriente como no Japão. Em nosso país vem aumentando progressivamente, seu uso, mas não faz parte do nosso dia a dia. Porém, ela é tradicional nos restaurantes com pratos orientais sob o nome de nori (alga vermelha) ou wakame (alga parda). As algas marinhas têm aplicação humana nos mais variados produtos como em: fibrascirúrgicas, estabilizantes de sorvetes, emulsificantes de cervejas, conservantes de cremes, impermeabilizantes, isolantes e lubrificantes, hidratantes e xampus, plastificantes, papéis impermeáveis, tintas resistentes a bioincrustação, clarificante de vinho e cervejas, concreto celular, moldes dentários, meios de cultura para crescimento bacteriano, colas, e muitas outras. Dois dos principais produtos extraídos de algas são o agar-agar e o alginato.

Nos últimos dez anos, as universidades brasileiras vêm descobrindo nas algas verdes, pardas e vermelhas muitas substâncias com atividades antioxidantes, anticancerígenas, antivirais, anticoagulantes, larvicidas do mosquito da dengue, dentre outras aplicações. Essas substâncias só ocorrem em determinadas espécies e assim é necessário que se saiba onde elas ocorrem, não só para explorá-las no futuro de modo racional como para protege-las, pois elas pertencem a população. Em face disso o governo federal aprovou a Política Nacional de Biodiversidade e o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. O governo estadual criou políticas públicas similares para a conservação de ecossistemas litorâneos e seus respectivos organismos como algas marinhas e estuarinas.  Mas para que o governo estadual possa realizar essa árdua e difícil missão de conservar os bens naturais é necessário que se saiba o que está sendo protegido tanto dentro do parque terrestre e suas áreas de água doce como no seu entorno marinho. Essas informações, em geral, constam do Plano de Manejo que precisa de atualização constante. Os resultados dos trabalhos dos cientistas podem modernizar os dados, ajudando a administração das unidades de conservação na gestão dos bens naturais. Cientistas desenvolvem pesquisas em unidades de conservação, colaborando com os governos.

Com o fim de contribuir com o esforço do governo do estado do Rio de Janeiro na gestão do Parque Estadual da Ilha Grande (PEIG) foi formulado um projeto de pesquisa resumidamente chamado de Flora bentônica marinha e estuarina do Saco de Dois Rios (PEIG), Ilha Grande, Angra dos Reis, Rio de Janeiro. Ele é realizado parte no Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes (IBRAG) e parte no Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável (CEADS). Tem financiamento parcial da Fundação de Amparo à Pesquisa Carlos Chagas Filho (FAPERJ) e Conselho Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A flora bentônica é aquela que cresce nas rochas rasas e submersas das praias. O ambiente estuarino é a região entre um rio e o mar. O projeto tem 4 objetivos principais: 1) Fazer uma síntese das menções bibliográficas de espécies marinhas e estuarinas das algas verdes, pardas e vermelhas para toda a Ilha Grande; 2) Inventariar a flora (algas verdes, pardas e vermelhas) marinha e estuarina do Saco de Dois Rios; 3) Popularizar o conhecimento científico gerado no inventário da flora marinha (articulado com outros projetos sobre a fauna da equipe de Biologia Marinha da UERJ) através da exposição de fotografias em espaços públicos de Angra dos Reis; 4) Formular um guia ilustrado didático das algas para ser usado nas aulas realizadas no CEADS. Há vários outros projetos em desenvolvimento no CEADS que também oferece cursos à comunidade.

O primeiro objetivo foi alcançado e até o momento se conhece para a flora marinha da Ilha Grande 235 espécies, sendo 49 de algas verdes, 43 de algas pardas e 143 de algas vermelhas. Foram oriundos de 35 trabalhos e 41 locais foram visitados. A praia do Aventureiro foi a mais rica com 90 espécies.  A flora marinha e estuarina da Ilha Grande é uma das mais ricas que ocorrem em ambientes insulares costeiros do país.  O segundo objetivo abrange, em parte, trabalhos de conclusão de curso de dois alunos de Biologia da UERJ. Até o momento a flora marinha e estuarina do Saco de Dois Rios já superou a da praia do Aventureiro e foi descoberta uma espécie nova para a humanidade. O terceiro objetivo está sendo concluído, pois a exposição de fotografias coloridas que está montada no Ecomuseu (Vila de Dois Rios) da Subreitoria de Extensão e Cultura da UERJ já recebeu quase 1.000 visitantes. Eles têm deixado depoimentos com elogios e incentivos a esse projeto de divulgação científica sobre a Ilha Grande. O quarto está em andamento e já estão sendo feitos testes numa disciplina do curso de Biologia.

A flora marinha e estuarina da Ilha Grande é um tesouro valioso para a população, não só dos ilhéus como de toda a humanidade. Das espécies que já foram reencontradas das 235 mencionadas na literatura, três serão exemplificadas pelo seu valor medicinal. No entanto, para poderem ser utilizadas as substâncias precisam ser extraídas pela indústria farmacêutica: a) a alga parda Canistrocarpus cervicornis possui substâncias anti-hemorrágicas; b) a alga parda Dictyota menstrualis contém substâncias antibióticas que combatem o vírus tipo 1 da Aids; c) a alga vermelha Laurencia dendroidea tem substâncias antibióticas contra fungos. Por esse conjunto de qualidades (fornecedora de oxigênio aos seres vivos, alimento aos animais herbívoros e possuir substâncias medicinais) as espécies da flora marinha da Ilha Grande devem ser conservadas, no PEIG, como patrimônio inegociável do povo.

Sugestões de Leitura      

PEDRINI, A. de G. Macroalgas marinhas: importância geral. In: PEDRINI, A. de G. (Org.) Rio de Janeiro: Technical Books. Macroalgas: uma introdução à taxonomia, 2010, p.3-11.

PEDRINI, A. de G. (Org.) Macroalgas (Chlorophyta) e Gramas (Magnoliophyta) Marinhas do Brasil. Rio de Janeiro: Technical Books, 2011.

PEDRINI, A. de G. Importância socioambiental das algas pardas marinhas. In: PEDRINI, A. de G. (Org.). 2013. Macroalgas (Ocrófitas Multicelulares) Marinhas do Brasil. Rio de Janeiro: Technical Books, p. 53-64.

PEDRINI, A. DE G., L. S. ARAUJO, N. P. GHILARDI, C. M. MENA. 2014. Algas Marinhas Bentônicas da Ilha Grande, Angra dos Reis, RJ, Brasil; Uma síntese dos conhecimentos taxonômicos. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE FICOLOGIA, 15., Anais…, 2, São Lourenço (MG), 3 p.

Endereços virtuais:                                                                            

Ceads: http://www.sr2.uerj.br/sr2/ceads/

Ecomuseu:  http://www.decult.uerj.br/decult_ecomuseu_ilha_grande.htm    

Ibrag: http://www.ibrag.uerj.br/

 

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