Sebastião Cyrino: do presídio da Ilha Grande ao sucesso musical

Por Sandor Buys

Sebastião Cyrino foi instrumentista e compositor de sucesso no carnaval carioca dos anos 20, tocou ao lado dos músicos mais importantes da época, como Pixinguinha e Donga, foi compositor de um dos momentos importantes do teatro brasileiro, foi músico de muito sucesso na Europa. Porém, morreu pobre e esquecido. Este músico mineiro teve um dos momentos decisivos de sua vida passado na Ilha Grande e vamos contar um pouco aqui de sua trajetória. Muito do que sabemos sobre ele hoje vem de uma entrevista cedida ao jornalista Sérgio Cabral em 1961. Também encontramos muitas notícias suas em jornais da época.

Cyrino nasceu a 20 de janeiro de 1902, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Ainda criança, veio para o Rio de Janeiro, onde trabalhou com serviços domésticos em casas de família, foi engraxate e vendeu jornais. Cyrino conta que tinha problemas em casa, apanhava muito, e um dia fugiu, passando a dormir na rua. Acabou sendo preso por vadiagem e levado à colônia penal de Dois Rios, na Ilha Grande. E foi lá que ele aprendeu a tocar trompete, integrando uma banda musical que havia no presídio.

Logo depois se submeteu ao serviço militar, passando algum tempo na Bahia, com o 56º Batalhão de Caçadores do Exército. Temos notícias de que no início da década de 1920, já tendo dado baixa do exército, morava na cidade do Rio de Janeiro, sendo então maestro e compositor do bastante prestigiado rancho carnavalesco Caprichosos da Estopa, sediado no bairro de Botafogo, zona sul do Rio. O nome peculiar deste rancho vale uma explicação. A maioria dos ranchos tinha nome de flores, ficaram muito famosos, por exemplo, o Flor do Abacate e o Ameno Resedá; em Botafogo dos anos 20, havia o Mimosas Cravinas e o Lírio do Amor. Acontece que o Caprichosos da Estopa era composto basicamente por funcionários de uma fábrica de tecelagem chamada Corcovado, o nome peculiar deste rancho vem da matéria-prima com que eles trabalhavam, a estopa.

Cyrino chegou a tocar em uma formação dos Oito Batutas e foi integrante de um grupo dissidente dos “Batutas”, denominado Oito Cotubas. Liderado pelo Pixinguinha, o grupo musical Oito Batutas foi um dos mais importantes do Brasil durante a década de 1920. Embora tenha passado por diversas formações, tinha como integrantes mais constantes China, irmão de Pixinguinha, e Donga, consagrado por ter registrado o samba Pelo Telefone.

Participa como compositor de um momento de grande importância histórica do teatro brasileiro, a Companhia Negra de Revista. Esta companhia era formada exclusivamente por atores negros e causou impacto muito significativo numa época em que o racismo era ainda mais acirrado que nos dias de hoje. A estreia da companhia foi em 1926, no teatro Rialto, com o espetáculo Tudo Preto. A companhia durou apenas dois anos. Vale a pena destacar que o posteriormente famoso ator Grande Otelo estreou nesta companhia, com apenas 11 anos de idade, sendo então apelidado de Pequeno Otelo. Uma das músicas deste espetáculo, o maxixe Cristo nasceu na Bahia, feito em parceria com o letrista Duque, emplacou grande sucesso no carnaval de 1927 e é lembrada até hoje.

Em julho de 1926 nasceu sua filha Eurotildes. Porém apenas três meses depois, Cyrino parte em uma excursão para o interior do Brasil com o Carlito Jazz Band, grupo organizado pelo baterista Carlos Blassifera a pedido de Madame Rasemir, da companhia francesa de revista Bataclan, e acaba indo para a Paris. Permanece fora até o início da segunda guerra mundial, em 1939, quando é convocado a retornar a seu país. Embora ainda tenha trabalhado com música, Cyrino não se adaptou mais ao Brasil. Ele conta que foi preso mais de quinze vezes e chegou a pensar em suicídio. Morreu no dia 16 de julho de 1968 de câncer pulmonar. Infelizmente o nome deste compositor e instrumentista, que aprendeu seu ofício na dureza do cárcere e que superou a pobreza, caiu enfim no esquecimento, da mesma forma que grande parte dos músicos do período em que ele viveu.

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